sexta-feira, 2 de julho de 2021

La Parabola

Quem acompanhava o Fiebre Maldini na Movistar há uns anos, havia uma rubrica dentro do programa que se chamava "La Parabola" e que mostrava os golos ao ângulo da baliza, os toques que desiquilibravam ou as jogadas mais belas do fim de semana.

Depois, íamos ver os jogos do Bayern de Munique durante a semana e mesmo ao fim de semana, e Arjen Robben deliciava-nos com o movimento espectacular de estar descaído pelo lado direito com o seu fantástico pé esquerdo, flectir para o meio, desviando dos defesas, e depois, devidamente enquadrado, lançava a bola ao ângulo superior contrário, fazendo as redes balançar em jogos da Bundesliga, da Deutsche Pokal ou da Champions League. Sempre com a mesma classe, categoria e certeza, como se fosse jovem outra vez e deambulasse pelas ruas de Gronigen ou pelo Philips Stadion.

Lorenzo Insigne é um produto de Nápoles. Nascido e criado na cidade que viu um dia Deus a jogar, encantar e ganhar. Insigne nunca saiu da sua casa e por lá se mantém, como sendo um irredutível napolitano agarrado ao sonho de fazer do seu clube aquilo que só os magos fazem, tentando inverter o domínio nortenho italiano da conquista do Scudetto.

Mas para além de ser um produto de Nápoles, Insigne conquistou com o seu trabalho, suor e amor as gentes da sua terra pelas fantásticas parábolas que coloca em prática e que fazem a bola anichar-se no ângulo da baliza acariciando as redes contrárias com uma classe muito própria.

Insigne, ao contrário de Robben, usa o pé direito e faz exactamente o mesmo movimento, mas em sentido inverso. Sai da linha esquerda com a bola colada ao pé, serpenteia constantemente entre o lateral e o central direito da equipa contrária e quando já ninguém o consegue apanhar, alça o pé e a bola sobrevoa o corpo do guarda-redes e entra na baliza, para gáudio dos tiffosi. Insigne repetiu e tem repetido este movimento exaustivamente na Serie A, na Coppa de Italia e na Champions League (e de vez em quando, na Europa League).

Hoje, em Munique, o pequeno italiano de 1,63m, ali no início da segunda parte, fez o movimento de sempre, procurando um espaço para poder aplicar a sua famosa parábola. Do outro lado, os 2 metros de Thibaut Courtois foram insuficientes para suster a beleza do remate e o movimento das redes a balançar quando a bola saiu disparada do pé direito de Insigne e como que quase a beijar os adeptos italianos que estavam atrás da baliza do belga. Como se tivéssemos saudades disto: dos adeptos a delirar com o momento mágico porque sempre anseiam - o golo!

E depois desse momento, e numa rápida recuperação da Bélgica, o futebol começou a tomar sentido e o talento ocupou o espaço para vermos um jogo onde o taticismo italiano que ainda existe tem intérpetes bem diferentes daqueles a que nos acostumou o catenaccio. Jorginho, Verrati e Barella, quais formiguinhas incansáveis, trocavam a bola a seu belo prazer, sempre com o apoio inteligente de Spinazolla, na busca incessante de criar perigo a uma Bélgica demasiada orfã de um Kevin De Bruyne a recuperar de lesão e de um Eden Hazard lesionado, onde um Axel Witsel estava a ser insuficiente a tentar dar algum rumo ao jogo.

Uma Itália que dá gosto ver, na consistência defensiva, mas acim de tudo num processo ofensivo que possibilita que os talentos possam usar a sua técnica, independentemente do físico tão predominante nos dias de hoje, como que a fazer-nos lembrar que o tamanho não importa.

As parábolas de hoje serão sempre a alquimia do amanhã. E é nesses momentos que nos lembramos que já tínhamos saudades disto...

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